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Chatbots e Psicoterapia: É Tudo a Mesma Coisa?

  • Giovanna Riça
  • 12 de mai.
  • 5 min de leitura

Atualizado: há 1 dia



Nos últimos dias, uma pesquisa publicada em uma revista científica de grande prestígio chamou atenção ao afirmar que robôs de conversa, os chamados chatbots, poderiam ser tão eficazes quanto psicoterapeutas humanos no cuidado com a saúde mental. Muita gente compartilhou a notícia nas redes sociais, reforçando a ideia de que talvez o atendimento psicológico do futuro seja feito por inteligência artificial. Mas será que essa comparação faz sentido?


Vamos com calma.


Em primeiro lugar, precisamos lembrar que é muito difícil medir se uma psicoterapia realmente "funciona". Isso porque as mudanças que acontecem ao longo do processo não são como resultados de exames médicos. Elas envolvem sentimentos, formas de agir, de pensar e de se relacionar com o mundo — coisas que nem sempre são fáceis de colocar em números. Além disso, a própria pessoa que está em atendimento é quem costuma dizer se está melhor ou não. E nossa forma de perceber as coisas pode ser influenciada por muitos fatores.


Um deles, por exemplo, é o simples fato de termos investido tempo e energia em algo. Quando dedicamos esforço a uma atividade — como ir a sessões de terapia ou conversar com um chatbot — tendemos a perceber alguma melhora, mesmo que ela não esteja necessariamente relacionada ao que foi feito. Essa sensação de melhora pode vir só por termos feito algo com a intenção de mudar.


No caso dos chatbots, tem mais uma questão importante. Esses programas são criados para serem simpáticos, acolhedores e para responder exatamente da forma que a gente espera. Isso pode dar a sensação de que fomos ouvidos, de que alguém nos entende. Mas essa resposta está sendo gerada por regras e padrões, não por alguém que conhece nossa história, nossas dificuldades e nossos objetivos de vida. Isso não quer dizer que não possa haver algum benefício na interação com um chatbot — às vezes só de falar já nos sentimos um pouco melhor. Mas não dá pra comparar isso com um processo terapêutico feito por um profissional que ajusta suas intervenções a cada sessão, com base no que observa e no que constrói junto com a pessoa atendida.


A psicoterapia de verdade é uma conversa com propósito. O terapeuta observa atentamente como a pessoa age, fala, reage às situações, e pensa em maneiras de ajudá-la a aprender formas mais eficazes de lidar com os desafios do dia a dia. Isso não é algo que se faz com frases prontas ou respostas automáticas. É uma construção conjunta, que exige escuta, análise, experiência e, principalmente, uma relação de confiança.


Sobre o estudo citado: quando vamos olhar com mais atenção, vemos que várias informações importantes ficaram de fora. As perguntas feitas aos participantes não foram divulgadas, os apêndices com detalhes metodológicos estavam fora do ar, e não há explicações claras sobre como os dados foram avaliados. Em outras palavras: é um estudo que chama atenção, mas que não apresenta informações suficientes para que possamos confiar plenamente em suas conclusões.


O estudo em questão foi publicado em abril de 2024 na JAMA Network Open com o título "Association of Therapeutic Alliance, Care Satisfaction, and Adverse Effects With Conversational Agent and Therapist Support Among Adults Reporting Psychological Distress" (Miner et al., 2024) e está disponível na base de dados PubMed neste link.


Por isso, é sempre bom ter cuidado com manchetes muito chamativas. Nem tudo o que circula na internet tem base sólida. Ler com senso crítico é fundamental, especialmente quando estamos falando da nossa saúde mental.


Antes de aceitar que um robô pode substituir o trabalho de um terapeuta, vale refletir: estou em busca de mudança real na minha vida ou só de alguém (ou algo) que me diga o que quero ouvir?



Por que a Psicologia tem tudo a ver com sua liberdade e dignidade?


Quando pensamos em psicologia, muitas vezes a imagem que vem à mente é a de uma sala silenciosa, uma pessoa sentada numa poltrona e uma profissional fazendo perguntas ou oferecendo escuta. Essa imagem não está errada — mas é apenas uma parte da história.

A atuação da/o psicóloga/o vai muito além do consultório. Ela é, antes de tudo, uma prática ética, política e profundamente humana.

E tudo isso começa com um princípio fundamental: o compromisso com os Direitos Humanos.


Antes da técnica, o compromisso com a vida


O Código de Ética da Psicologia é um documento que orienta a prática profissional. Ele não apenas define limites, mas também aponta caminhos. Logo no início, ele afirma que a/o psicóloga/o deve basear seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano.

Esses valores não estão ali por acaso. Eles vêm da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em 1948, e também aparecem na nossa Constituição Federal. São princípios que reconhecem que todas as pessoas têm direito a existir com respeito, cuidado e proteção — independentemente de quem são.

E quando falamos em “todas as pessoas”, é importante reforçar: estamos falando de todas mesmo.

Mulheres. Pessoas LGBTQIA+. Pessoas negras, indígenas, com deficiência, imigrantes, pessoas de todas as idades, religiões e classes sociais. Ninguém está fora.


Psicologia não é neutra


Dentro da Análise do Comportamento, entendemos que o comportamento humano é resultado das interações entre a pessoa e o ambiente. E esse ambiente não é neutro: ele é atravessado por desigualdades, opressões, padrões sociais e relações de poder.

Por isso, uma psicologia ética não pode se contentar em tratar o indivíduo sem olhar para o contexto.

Ela precisa, sim, fazer uma leitura crítica da realidade:

  • Quem tem acesso a cuidado psicológico?

  • Quem é constantemente silenciado ou patologizado?

  • Que corpos, histórias e vivências são marginalizadas?

A/o psicóloga/o, ao reconhecer essas questões, se posiciona. Não como juíza ou salvadora, mas como profissional comprometida com o bem-estar e a autonomia de quem atende.

Direitos Humanos como prática cotidiana

Respeitar os Direitos Humanos na prática psicológica não é um ideal distante. É algo concreto, que aparece em atitudes simples e potentes:

  • Não presumir identidades, orientações ou crenças.

  • Escutar sem julgamento.

  • Lutar contra práticas discriminatórias, inclusive dentro da própria profissão.

  • Questionar normas que excluem, adoecem ou invisibilizam.

É também reconhecer que o sofrimento psíquico muitas vezes nasce ou se intensifica justamente pela exclusão social, pela violência estrutural e pela negação do direito de ser quem se é.


Por onde começamos?


Começamos por lembrar: psicologia é, antes de tudo, sobre pessoas.

Pessoas com histórias únicas, mas também atravessadas por estruturas sociais que afetam profundamente sua saúde mental.

Quando a/o psicóloga/o reconhece isso e se compromete com o princípio fundamental do Código de Ética, ela deixa de ser apenas uma prestadora de serviço — e se torna uma aliada na construção de um mundo mais justo, seguro e possível de se viver.

Esse é o convite que a psicologia ética faz: colocar a vida no centro da prática, com liberdade, dignidade, igualdade e integridade como norte.

Se você é psicóloga, talvez seja hora de revisitar esse princípio com mais presença.

Se você é paciente ou deseja iniciar um processo terapêutico, saiba que você tem o direito de ser acolhidx com respeito e humanidade. Sempre.


 
 
 

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